ANTECEDENTES
HISTÓRICOS E AMBIENTE GEOGRÁFICO, ESTRUTURA POLÍTICA,
CONFIGURAÇÃO RELIGIOSA.
Saulo, o futuro Apóstolo dos
Gentios, nasceu na cidade de Tarso, na Cilícia, segundo a história oficial, por
volta do ano 10 da nossa era. Emmanuel informa, em Paulo e Estêvão1, que, no
ano 35, já em Jerusalém, Paulo beirava os 30 anos de idade. Nascera, portanto,
no ano 5, e não em 10. De qualquer maneira, era mais jovem que Jesus, mas não
consta que o tenha conhecido pessoalmente.
Provavelmente não, porque, ante a
visão deslumbrante de Damasco, não reconhece a figura que se apresenta diante
dos seus olhos atônitos, e pergunta-lhe quem é?
A Cilícia era um distrito da Ásia
Menor, entre a Panfília e a Síria. O limite, ao norte, era o Monte Tauro.
Estava dividida em duas províncias: a Cilícia Traquéa e Cilícia Pedias, a
primeira muito montanhosa e agreste, e a segunda, embora também em parte
coberta de rochedos, dispunha de algumas planícies férteis. Importante estrada
cortava o país de este a oeste, passando pela cidade de Tarso. Na sua áspera
descida do platô da Anatólia, rumo a Tarso, a estrada esgueirava-se pela
estreita passagem ciliciana, aberta na rocha. Nos tempos romanos, a Cilícia
exportava grande quantidade de lã caprina, chamada cilicium, da qual se faziam
tendas. Esse foi, aliás, o ofício de Saulo, de vez que era praxe entre os de
sua raça, inclusive os mais ricos e ilustrados, aprender sempre um ofício
manual.
Sob o domínio dos persas, a
Cilícia foi provavelmente governada por reis nativos que pagavam tributo aos
conquistadores.
Em viagem por aquelas regiões,
Xenofonte achou uma rainha no trono. Nem Ciro nem Alexandre, o Grande,
encontraram resistência, quando por lá andaram ambos nas suas campanhas
bélicas. Depois de Alexandre, o país caiu em poder dos selêucidas, que, na
verdade, apenas controlavam metade da nação, dado que a Cilícia Traquéa ficou
entregue à pirataria e à desordem política, até que Pompeu a conquistou para
Roma. A Cilícia Pedias tornou-se território romano no ano 103 a. C. antes do
Cristo, mas o país somente foi regularmente ordenado em 64, sob Pompeu,
convertendo-se em província romana, da qual Cícero foi governador. Reorganizada
por César no ano 47 a.C., tornou-se, em 27, parte integrante da província
Síria-Cilícia-Fenícia, ainda sob domínio dos romanos, naturalmente. Quase dois
séculos depois, com Diocleciano, a Cilícia juntou-se à Síria e ao Egito,
formando uma nova província a que deram o nome de Diocesis Orientis.
Sua vida como nação não foi,
assim, muito tranquila. No século VII d.C., foi invadida pelos árabes, que a
dominaram até 965, quando foi reocupada por Nicéforo II. Várias vezes se
repartiu entre diferentes donos e governantes, cristãos e muçulmanos. Para
encurtar a história e saltando por cima dos séculos, vamos encontra-la, de 1833
a 1840, fazendo parte dos territórios administrados por Mohammed Ali, do Cairo.
Pelo tratado Sèvres, parte da Cilícia foi entregue à França, mas, em outubro de
1921, depois de conflitos com os nacionalistas, os franceses se retiraram.
Tarso é cidade bem antiga.
Segundo o Obelisco Negro, na mais recuada referência conhecida, Tarso foi
tomada pelos assírios cerca de 850 anos antes do Cristo. Pertence, hoje, à
Turquia, que se liga, pelo ocidente, à Europa, através do Bósforo, e, pelo
oriente, com o Irã e a União Soviética, tendo ao sul o Iraque e a República
Árabe Unida (Síria).
Assim, com a ponta do compasso em
Tarso, um círculo não muito amplo abrangeria importantes regiões da Europa, da
Ásia e da África.
A cidade é cortada pelo Rio
Cidno, tendo ao fundo os contrafortes do Monte Tauro. Sua importância na
história antiga foi considerável, não apenas pela excelente localização
geográfica como pelas suas realizações. Possuía um bom porto e território
fértil. Seus pontos de sustentação econômica foram as suas duas importantes
obras de engenharia: o porto e a passagem para o Norte, aberta no Monte Tauro.
Mesmo assim, no entanto, até hoje Tarso é mais acessível pelo mar ou pelo
oriente do que por outra qualquer via.
Ernani Cabral, no livro
Apreciando a Paulo, lembra que Tarso contava com uma das três universidades que
então existiam no mundo; as outras eram a de Atenas e a de Alexandria.
A cidade natal do Apóstolo sofreu
inevitavelmente das vicissitudes por que passou a própria Cilícia. A influência
grega sobre Tarso foi considerável. Daniel-Rops2 informa que Tarso está, hoje,
a cerca de 20 quilômetros da orla marítima, por causa das aluviões, mas, no
tempo de Paulo, era porto de mar, aberto ao comércio de muitos, especialmente
aos gregos. A população era, pois, heterogênea. Will Durant acrescenta que a
Cilícia era altamente civilizada ao longo da costa, mas ainda bárbara nos
altiplanos do Monte Tauro. Tarso, a capital, era famosa por seus filósofos e
por suas escolas. Os judeus da diáspora estabeleceram ali importante colônia,
como também em Antioquia, Mileto, Éfeso, Esmirna. Grupamentos menores, mas
ainda numerosos, habitavam Delos, Corinto, Atenas, Filipos, Petra, Tessalônica.
Muitas dessas comunidades entrariam mais tarde no roteiro luminoso de Paulo.
Supõe-se que Tarso tenha sido,
inicialmente, em origens que se perderam nos séculos, colônia jônica, e é certo
que se considerava cidade helênica, mas a influência fenícia foi bastante
acentuada. Assírios e persas governaram-na. Reis selêucidas da Síria
mantiveram-na sob servidão. Por lá passou Alexandre, o Grande, no século IV
a.c. A História registra um episódio interessante. Achava-se Alexandre em
Tarso, no ano 333 a.C., quando foi acometido de um mal-estar para o qual seu
médico, Felipe, lhe receitou uma poção. Nesse momento, Alexandre recebeu carta
de seu general Parmenion, que lhe dizia que Felipe havia sido subornado por
Dario para envenená-lo. Sem dar importância à denúncia, e num dos seus gestos
espetaculosos, Alexandre tomou o remédio, enquanto Felipe lia a carta. Na
verdade, não morreu ali, mas o seu tempo não estava longe. Foi também em Tarso
que Alexandre tomou um banho e quase foi carregado pela correnteza, famosa pela
velocidade de suas águas frias
Em outro livro, cuidei da
carreira do grande conquistador 4, (4 Mecanismos Secretos da História, primeira
parte). Convicto da presença de Deus na
história, não posso deixar de propor a hipótese de que Alexandre estivesse
programado — utilizando - me da linguagem moderna — para preparar o imenso
teatro de operações do futuro Cristianismo. Nos registros da história
conhecida, foi o primeiro homem que concebeu o mundo como um todo, e não como
um solto conglomerado de ilhotas políticas.
A semeadura mundial que fez da
cultura e da civilização gregas quase o redime das suas crueldades. O mundo que
Paulo encontrou para divulgação das ideias cristãs era um mundo greco-romano,
em que o grego popular, conhecido pelo nome de koiné, era linguagem universal,
falado desde Roma até a mais longínqua província. Essa língua, na qual foram
escritos os primeiros documentos cristãos, os Evangelhos, os Atos e as
Epístolas, teve sua origem exatamente no tempo de Alexandre, segundo informação
da Enciclopédia Britânica, artigo “Greek Litterature”. Foi o esperanto da
época. Suetônio diz que Júlio César, na dolorosa hora do apunhalamento,
encontrou na língua grega a expressão da sua surpresa: Kai su teknon — Até
você, meu filho?
No ano 171, ainda antes da nossa
era, Tarso foi declarada cidade livre por Antíoco IV, e começou a cunhar suas
próprias moedas. Sob o domínio dos romanos, a partir do ano 104 a.C., tornou-se
uma das mais ricas e maiores cidades do Oriente. Por isso, diria Paulo, mais
tarde, com justificável senso: “Sou judeu de Tarso, cidadão de uma cidade nada
obscura da Cilícia”. (Atos, 21:39.)
Seguindo de perto a sorte da
própria Cilícia, Tarso também mudou de senhores muitas vezes, até que
finalmente, no século XVI, passou às mãos dos otomanos, ou seja, dos turcos. Do
tempo de Paulo restam hoje extensas ruínas, profundamente soterradas. A cidade
é movimentada pelo comércio em inúmeros bazares, mas o clima é desagradável
devido à proximidade de vastos pantanais, situados na área onde ficava o antigo
porto e por onde corria originariamente o Rio Cidno, desviado por ordem de
Justiniano no século VI. A intenção era apenas regular a vazão por meio de um
canal que coletasse as águas, que, na época das chuvas, desciam torrencialmente
das montanhas, e livrar a cidade de perigosas enchentes. Com a passagem do
tempo, no entanto, o antigo leito ficou bloqueado pelas aluviões, passando as
águas a correr pelo canal. Em 1950, segundo a Enciclopédia Britânica, Tarso
tinha 33.704 habitantes. Paulo não poderia mais dizer que era filho de uma
cidade importante, mas ainda poderia declarar que nascera numa cidade aureolada
por uma longa história. Filho de Isaac, ali nasceu Saulo, o Apóstolo dos
Gentios.
Livro: As Marcas do Cristo Vol.I