O
planalto da Judéia se eleva naquele local a quase 830 metros acima do nível do
mar, sendo ali o seu ponto culminante. Ephrém é região bucólica, onde os
damasqueiros se arrebentam em flores, se vestem de frutos, e as tulipas se
multiplicam em campos verdejantes com a abundância do sol dourado, cujos
poentes se demoram em fímbrias coloridas, contrastando com as sombras das noites
em vitória. . .
A
aldeia de Ephrém ou Efraim é um amontoado de casas singelas entre flores
silvestres e roseiras variadas, situando-se sobre um largo terraço fértil do
planalto árido, onde, no entanto, abundam nascentes cantantes e de cujas bordas
se avistam no longo vale que se esconde em baixo das imensas costas talhadas a
pique em alcantis, pelo lado do Moab, o tranquilo Jordão e o mar Morto. Dali, a
visão dos horizontes é um convite à meditação, fazendo que o homem se apequene
ante a grandeza de Deus.
Naquela paisagem tudo são convites às coisas
divinas.
Nesse
plano de exuberante beleza, o Mestre elucida os companheiros fiéis, quanto à
comunhão com o Pai. Já lhes falara diversas vezes sobre a necessidade da oração
e em muitas ocasiões deles se apartara para o silêncio da prece. Ensimesmado,
frequentemente buscava a soledade para a ligação com Deus. Através desse ministério ardente e
apaixonado.
Os
livros da fé ancestral, todos eles, se reportam à exaltação do Senhor, mediante
o "abrir a boca" da alma e falar aos divinos ouvidos.
Aquela
será a última primavera que passariam juntos. Os colóquios, as lições serão
interrompidos, Ele o sabe. Ministra as últimas instruções. O Cordeiro inocente
logo mais deverá marchar na direção do matadouro. Quanto há, no entanto, ainda,
a dizer! São "crianças espirituais" aqueles companheiros, bulhentos e
sem a noção exata do que lhes será pedido.
O tempo urge!
As
Suas vigílias são maiores e Seus solilóquios mais demorados.
Retornava
desse colóquio, e a placidez da face denotava a vitalidade haurida no
intercâmbio com o Pai...
Os
discípulos aguardam-No com carinho, ansiedade, e inquirem-No quanto à melhor
forma de orar, como dizer todos os ditos da alma Àquele que é a Vida e que sabe
das necessidades de cada um em particular e de todos simultaneamente. . .
Havia,
sim, em todos o desejo veemente de aprender com o Rabi, — que tantas lições
lhes dispensará antes com invulgar sabedoria! — a mais eficiente das orações.
Inquiriam,
porém: "se Deus nos conhece e sabe o de que temos maior urgência, porque
se há de Lh'o rogar? Como fazê-lo, então?"
—
"Ensina-nos a orar!" — pediu um dos discípulos, amigo devotado.
Seus
olhos estavam incendiados de luz e nele havia aquela confiança pura da criança que
se entrega em total doação e aguarda em tranquilidade enobrecida.
O
Mestre relanceou o olhar pelas faces expectantes daqueles que O buscavam seguir
e desejavam adquirir forças para, no futuro, se entregarem inteiramente ao
Evangelho nascente; depois de sentir as ânsias que através dos tempos
estrugiriam nos continuadores da Sua Doutrina, pelos caminhos do futuro,
sintetizou as necessidades humanas em sete versos, os mais simples e
harmoniosos que os humanos ouvidos jamais escutaram, proferindo a oração
dominical.
As
frases melódicas cantaram delicadas através dos Seus lábios como se um coral
angélico ao longe modulasse um cantochão de incomparável melodia, acompanhando
suavemente.
Uma
invocação:
"Pai
Nosso que estás nos Céus;"(*)
Glorificação d'Aquele que é a vida da vida,
Causa Causica do existir, Natureza da Natureza— Nosso Pai!
Três
desejos do ser na direção da Vida, após a referência sublime ao Doador de Bênçãos:
"Santificado
seja o Teu Nome.
"Venha a nós o Teu Reino,
"Seja feita a Tua vontade, na terra como
no céu;"
Eloquentes
expressões de reconhecimento ao Altíssimo; humildade e submissão da alma que
ora e se subordina às inexauríveis fontes da Mercê Excelsa; entrega total, em
confiança ilimitada. Exaltação do Pai nas dimensões imensuráveis do Universo;
respeito à grandeza da Sua Criação, através da alta consideração ao Seu Nome;
resignação atual diante das Suas determinações divinas e divina presciência.
Canto
de amor e abnegação!
Três
rogativas, em que o homem compreende a própria pequenez e se levanta, súplice, confiante,
porém, em que lhe não será negado nada daquilo que solicita:
"O
pão nosso de cada dia, dá-nos hoje;
"Perdoa-nos
as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores;
"Não
nos deixes cair em tentação, mas livra-nos de todo o mal."
A
base da manutenção do corpo é o alimento sadio, diário, equilibrado, tanto
quanto a vitalidade do espírito é a sintonia com as energias transcendentes —
dá-nos hoje!
Sustento
para a matéria e força para o espírito, de modo a prosseguir no roteiro de redenção,
no qual exercita as experiências evolutivas.
Reconhecimento
dos erros, equívocos e danos causados a si mesmo e ao próximo — perdoa-nos!,—
ensejando reparação, através da oportunidade de refazer e recomeçar sem
desânimo, superando-se e ajudando aos que nos são vítimas — como perdoamos aos
que nos devem!...
Forças
para as fraquezas, em forma de misericórdia de acréscimo, multiplicando as
construções das células e das energias espirituais; reconhecimento das
incontáveis fragilidades que a cada instante nos sitiam e nos surpreendem —
livra-nos de todo o mal!
A
musicalidade sublime canta em balada formosa na pauta da Natureza, conduzida pelo
vento.
A
mais singela, a mais completa oração jamais enunciada.
Há
emoções nos espíritos que reconhecem a responsabilidade de conduzirem o sublime
legado na direção do futuro.
"Pedi
e dar-se-vos-á;" — exorou o Pomicultor Divino.
"Ensina-nos a orar!" — rogara o
discípulo ansioso.
As virações daquela hora embalsamam o ar de
mil odores sutis e constantes, e há festa nos corações.
O
Reino de Deus está, agora, mais próximo. Divisam-se os seus limites e se vislumbram
as suas construções...
Nenhum
abismo, nenhum óbice. Vencidas as indecisões, os caminhos se abrem, convidativos,
oferecendo o intercâmbio.
Aqueles
homens que se levantarão logo mais da insignificância que os limita e irão
avançar no rumo do infinito, doravante, orando, estarão em comunhão permanente
com o Pai.
O homem sobe ao Pai no Céu — o Pai desce ao
homem na Terra.
Já
não há um díptico.
Do
solilóquio chega-se ao diálogo.
E
do diálogo o espírito sai refeito, num grande silêncio de paz e vitalidade, exaltando
o amor de Deus na potencialidade inexcedível da oração.
"Ensina-nos
a orar!"
"Pai
Nosso que estás nos Céus..."
(*)
Conquanto as divergências entre os textos de Mateus (6:9-15) e Lucas (11:1-4)
preferimos as anotações do primeiro, embora aquele situasse a preciosa oração,
em continuidade ao Sermão do Monte. Assim o fazemos, considerando a métrica e o
ritmo que se observam nas narrações das línguas semitas e por registrar a
omissão de todo um verso nas anotações de Lucas. Outrossim, tomamos como lugar da ocorrência as
circunvizinhanças da aldeia de Ephrém ou Efraim ao invés do Monte das
Oliveiras, conforme a situam diversos exegetas e historiadores escriturísticos.
Nota da Autora espiritual. Amélia Rodrigues