Este livro é um pequeno ensaio de
interpretação das personalidades Paulo de tarso e Lutero, em termos de doutrina
espírita. [...] embora, pessoalmente, esteja convencido de que Paulo e Lutero são um só espírito, em etapas
reencarnatórias distintas, e conquanto gire o livro em torno dessa premissa, há
nele diversas plataformas de entendimento, estruturadas de modo tal que a
aludida identidade de personagens não é propriamente vital para a boa
assimilação da obra.
UNIVERSALIZAÇÃO DO
CRISTIANISMO E RENASCENÇA DA RELIGIÃO.
Quando um mal existe,
não se cura sem crise (...).
— Allan Kardec (Revue
Spirite, junho de 1862)
”Paulo, o Apóstolo dos Gentios”
Em A Caminho da Luz (cap. XIV),
Emmanuel escreveu:
[...] a comunidade cristã, de
modo geral, começou a sofrer a influência do Judaísmo, e quase todos os núcleos
organizados, da doutrina, pretenderam guardar feição aristocrática, em face das
novas igrejas e associações que se fundavam nos mais diversos pontos do mundo.
A influência judaizante era um
mal que precisava ser conjurado no nascedouro, pois “o portentoso alicerce do
Cristianismo”, que era, no dizer de Emmanuel, o “trabalho de redação dos
Evangelhos”, podia ser atingido se lhe faltasse “o precioso caráter
universalista”.
Sem perda de tempo, Jesus convoca
“ao seu sublime ministério” o luminoso e enérgico Espírito que fora assinalado
para a realização superlativa de levar o Evangelho a todos os povos da terra,
mas que, então, se desviara da verdadeira senda: Paulo (Saulo) de tarso!
Insondável desígnio que nem mesmo
os mais atilados apóstolos do senhor foram capazes de ajuizar de imediato. as
ações e as epístolas de Paulo tornam-se poderoso elemento de universalização da
nova doutrina. E prossegue Emmanuel: a princípio, estabelece-se entre ele e os
demais apóstolos uma penosa situação de incompreensibilidade, mas a sua
influência providencial teve por fim evitar uma aristocracia injustificável
dentro da comunidade cristã, nos seus tempos inesquecíveis de simplicidade e
pureza.
No livro Caminho, Verdade e Vida,
o mesmo Emmanuel esclarece: “[...] a consciência do apóstolo dos gentios era
apaixonada pela lei, mas não pelos vícios”. Quando, pois, compreendeu a
extensão do próprio erro, não vacilou um só instante e assumiu, por inteiro, a
responsabilidade que lhe cabia na difusão do Cristianismo, cheia de exemplos
dignificantes, testemunhos contínuos e renúncias santificantes.
”Lutero, o reformador”
Os Atos dos Apóstolos (19:15)
registraram uma cena dolorosa de frustração dos filhos de Ceva, exorcistas
ambulantes, que tentaram invocar, como o fazia Paulo, o nome do Senhor Jesus
sobre possessos de Espíritos obsessores:
Mas o espírito maligno lhes
respondeu: Conheço a Jesus e sei bem quem é Paulo; mas vós, quem sois?
A mesma pergunta podia ser feita
ao sacerdócio católico da época de Lutero, com consequências semelhantes.
Tanto podia que o foi, mas por
alguém com bastante autoridade moral para formulá-la; e com resultados de
avultada significação e repercussão, que não cessaram até hoje.
Emmanuel, no mesmo livro
inicialmente citado (cap. XX), ao tratar da Renascença Religiosa, pontifica: o
plano invisível determina (....) a vinda ao mundo de numerosos missionários com
o objetivo de levar a efeito a renascença da religião, de maneira a regenerar
seus relaxados centros de força. Assim, no século XVI, aparecem as figuras
veneráveis de Lutero, Calvino, Erasmo, Melanchthon e outros vultos notáveis da
reforma, na Europa central e nos países baixos.
Hermínio C. Miranda procedeu a
uma rigorosa análise crítica de tudo o que ficou dito sobre Paulo e Lutero. Quanto
ao último, ele explica o que muitos ignoram e até mesmo o que entre espíritas
geralmente se desconhece, no entendimento justo da obra da reforma e da
corajosa posição assumida pelo filho de Eisleben [Lutero] durante toda a sua
vida de reformador.
As palavras que prometêramos, no
início, portanto, não são nossas, mas de Emmanuel, de cujo livro, O Consolador,
daremos, também, uns flashes pertinentes à matéria analisada em As Marcas do
Cristo: O Cristianismo é a síntese [...] de todos os sistemas religiosos mais
antigos, expressões fragmentárias das verdades sublimes trazidas ao mundo na
palavra imorredoura de Jesus. (Questão 293.)
Todas as expressões religiosas
nascidas do Cristianismo se identificam pela seiva de amor do tronco que as
congrega, apesar dos erros humanos de seus expositores. (Questão 294.)
A Reforma e os movimentos que se
lhes seguiram vieram ao mundo com a missão especial de exumar a “letra” dos Evangelhos,
enterrada até então nos arquivos da intolerância clerical, nos seminários e nos
conventos, a fim de que, depois da sua tarefa, pudesse o Consolador prometido,
pela voz do espiritismo cristão, ensinar aos homens o “espírito divino” de
todas as lições de Jesus. (Questão 295.)
Esclarecendo o erro religioso,
onde quer que se encontre, e revelando a verdadeira luz, pelos atos e pelos
ensinamentos, o espiritista sincero, enriquecendo os valores da fé, representa
o operário da regeneração do Templo do Senhor, onde os homens se agrupam em
vários departamentos, ante altares diversos, mas onde existe um só Mestre, que
é Jesus Cristo. (Questão 353.)
Conseguir a fé é alcançar a
possibilidade de não mais dizer:
“eu creio”, mas afirmar: “eu
sei”, com todos os valores da razão tocados pela luz do sentimento. (Questão
354.)
Admitir as afirmativas mais
estranhas, sem um exame minucioso, é caminhar para e pelo desfiladeiro do
absurdo, onde os fantasmas dogmáticos conduzem as criaturas a todos os despautérios.
Mas também interferir nos problemas essenciais da vida, sem que a razão esteja
iluminada pelo sentimento, é buscar o mesmo declive onde os fantasmas
impiedosos da negação conduzem as almas a muitos crimes. (Questão 355.)
Os novos discípulos do Evangelho
devem compreender que os dogmas passaram. (...) dentro das novas expressões
evolutivas, porém, os espiritistas devem evitar as expressões dogmáticas,
compreendendo que a Doutrina é progressiva, esquivando-se a qualquer pretensão
de infalibilidade, em face da grandeza inultrapassável do Evangelho. (Questão
360.)
Ao tempo de Paulo de tarso havia
problemas com a redação dos Evangelhos, ante o mal farisaico que poderia levar
à judaização do Cristianismo, desfigurando lhe o sentido e a finalidade
universalizantes; à época de Lutero, de Trevas plenas, urgia exumar a “letra”
dos mesmos Evangelhos, para que se não perdessem. E o ano que viu Kardec nascer
registrou o surgimento da primeira Sociedade Bíblica para a divulgação dos
textos das Escrituras, que passou em certo tempo a ser feita em todas as
línguas, idiomas, dialetos: em número superior a mil e duzentos, em todo o
orbe, doutro modo, não poderia o espiritismo ensinar aos homens o “espírito
divino” de todas as lições de Jesus!... Por isso dissemos da bela contribuição
do autor às letras espíritas e da publicação de As marcas do Cristo pela Casa -
Mater do espiritismo no brasil.
Francisco Thiesen
presidente da federação espírita
brasileira
Rio de Janeiro (RJ), 24 de julho
de 1979
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