Simão, o Cirineu
Nenhuma voz se ergue para defendê-lO.
Todos os verbos estavam calados, e o silêncio era aresposta da frágil gradidão humana Àquele que não titubeava entregar-se em holocausto de amor.
Tudo se realizava como se fosse uma patética entoando as tristes notas de uma mensagem fúnebre.
O medo aparvalhava os amigos e a palidez da covardia moral cobria os rostos dos beneficiados a distância com a mortalha com a mortalha da injustificação.
Não obstante as arbitrariedades da Lei, Israel mantinha no seu estatuto que qualquer pessoa poderia levantar a voz a favor de um condenado. Isto bastaria para revisar o processo, concedendo outra oportunidade ao réu, e mbora já estivesse julgado...
Com Ele a concorrência se fazia diferente.
Cinco dias apenas eram transcorridos ao sucesso que obtivera na cidade regorgitante que O exaltara, dizendo-O o Messias, o Esperado! Naquela ocasião todos comentavam publicamente os Seus feitos, enquanto ofereciam tóxico para que os ódios fermentassem, culminando na tragédia que ora se consumava.
Curtos são os sentimentos da gratidão humana e breve o caminho dos que dizem amar...
Apesar disso, esparzia a ternura e a misericórdia como um Sol generoso aquecendo o pantanal e transformando-o em campo fértil.
Agora se encontrava só... A sós, com Deus, como, aliás, sempre estivera...
Tantos se haviam beneficiado, inobstante permaneciam silentes*, distantes.
A estranha procisão percorreu a distância inferior a quinhentos metros, atravessou a porta judiciária, e a silueta do monte sombrio se desenhou entre o fulgor do dia em plenitude e o fundo azul abrasado da Natureza...
Abril já é o período de seca, de calor, de sol intenso....
A terra se torna de cor ocre, morrem as anemonas* e os tons de chumbo substituem o verdor que embeleza.
Àquela hora, mais ou menos às onze, a atmosfera carregada alcaçava índices de cansaço que desagradavam, abafados...
De semblantes sinistros, com varapaus, os membros da torturam o Justo, agridem-nO com acrimônia*, mordacidade e zombaria.
Sempre se fará assim com aqueles que se elevam acima da craveira da banalidade, com os que se erguem nas grimpas* dos ideais de enobrecimento da humanidade.
Ele viera para isto, para ensinar cada homem a carregar sua cruz conforme o fazia, sem queixas nem murmurações.
Cineraica, o antigo reino, fora colonizado pelos gregos, que fundaram Cirene. Posteriormente, sob a dinastia que tivera origem em Bato, de Terá, progrediu, nascendo outras cidades. Depois da desencarnação de Alexandre, o Grande, caiu em mãos dos Ptolomeus que passaram a chamá-la Pentápolis, em razão das cinco cidades que a formavam: Arsinoe, Berenice, Ptolomaide, Apolônia e Cirene. No ano 67 a.c., passou à província romana. São de Cirene*: Arístipo, Calímaco, Erastóstenes...
Cirene, sua capital, passaria à narração evangélica graças a Simão, ali nascido, judeu de família grega que se encontrava acompanhando a sinistra procissão pelas vias estreitas de Jerusalém, naquele dia.
Aque homem de olhar triste facinou-o.
A pesada cruz, com quase setenta quilos, a dilacerar os ombros e as mãos do condenado, que cambaleia, comove-o.
A noite de vigília demorada, as viagens entre Anás e Caifás, o Pretório, exauriam o Filho de Deus.
O centurião fustigava o preso, a fim de que não desfalecesse. A penalidade deveria ser cumprida.
Enfurecido, experimenta o soldado um misto de piedade e dever, ferido pelo amor do prisioneiro pacífico e escravo, serviãl pera paixão a César. No tormento que o vence, deseja diminuir a carga que ameaça esmagá-lo. Perpassa o olhar injetado pelas filas de mudos espectadores e chama o homem de Cirene.
O convocado não reage. Parece até que se rejubila interiormente.
Submisso curva-se, oferece o ombro e auxilia o Estranho.
A cruz se ergue mais leve. Jesus dirige-lhe um olhar de profundo amor.
Lampeja um lucilar de ternura e de gratidão que penetra o benfeitor inesperado e fá-lo tremer de emoção desconhecida...
Pai de dois jovens, Rufo e Alexandre, pensa nos filhos e apiada-se dos pais do condenado, umedecendo os olhos.
Estranha voz balbucia no seu coração uma cantilena de esperança...
Tem a impresão que o homem lhe devassa o pensamento e responde às inquietações que lhe brotam n'alma, espontâneas.
As lágrimas se misturam ao suor que molha o rosto queimado, coberto de pó.
Viera do campo, sendo surpreendido pela alucinação da intolerância e do ódio.
Claro, que ouvira falar em Jesus. Cocnhecia-O, admirava-O a distância. Agora, porém, O amava.
O amor é um sentimento veloz. Toma o coração e reina absoluto.
Dar-lhe-ia a vida se fosse necessário - pensou.
Nesse momento, a comitiva torva chegava ao topo do monte.
O crime deveria ser consumado antes do cair do dia, quando se iniciava o sábado, reservado ao repouso, ao esconder-se o Sol...
Viu-O ser preso ao madeiro.
A patética do martelo nos pregos repercutiria nos seus ouvidos por muito tempo...
O som metálico e as contrações musculares do Submisso dilaceraram-no também. Os semblantes suarentos dos crucificados e os olhares de lince, a agonia e o sangue a fluir abundante, eram a moldura que contrastava com a nobre serenidade dEle.
Quando as cordas O arrastaram nas traves, Ele oscilou no ar. O corpo arriou rasgado. A linha vertical tombou no fundo da grota calçada por pedras que a impediam de cair. culminava a injustiça criminosa dos homens que se arrastariam por milênios futuros, tentando repará-la.
Permitiu-se ficar a contemplá-lO...
Percebeu as mulheres que choravam e participou, intimamente, daquela dor honesta e corajosa.
Era, sim, o estoicismo* feminino que se Lhe fazia solidário, todos O abandonaram...
Quedou-se ali, petrificado, a meditar até o Seu último hausto*.
Jamais O esqueceria.
Volveu ao lar e penetrou-se do Espírito de Jesus.
Buscou mais tarde os Seus discípulos, ouviu-lhes as narrativas tardias e luminosas, passando a seguí-los e fazendo que seus filhos se convertessem àquele incomparável amor.
Simão, o Cireneu, é testemunho da solidadriedade que o mundo nos solicita até hoje.
Símbolo e ação de bondade, imortaliza-se e liberta-se da timidez, da escravidão a que se jugula, crescendo rumo ao infinito.
Quinhentos metros era a distância a percorrer entre o local do julgamento arbitrário e o cume do monte da Caveira*.
Em curta distância, a impiedade e a zombaria são grandes. Também o testemunho da solidariedade fraternal fez-se enorme.
Todos encontraremos pelo caminho da aflição os cirineus em nome e honra de Jesus. A nosso turno, devemos tornar-nos novos homens de Cirene e ajudar os que passam sobrecarregados, aguardando, esperando socorro.
*Anêmona: Designação comum para as ervas encontradas naquela região e utilizadas como ornamentoe, algumas, com fins medicinais.
* Acrimônia: Comportamento indelicado; aspereza.
* Grimpas: a ponta, o cume de qualquer coisa.
* Estoicismo: doutrina que caracteriza-se pela extirpação das paixões e aceitação resignada do destino.
* Cirene: correspoderia à hoje à Líbia.
* Hausto: ato.
* Caveira: Calvarium em latim e Gólgota em aramaico.
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